O que realmente acontece num concurso de vinhos
- Teresa Gomes
- há 1 dia
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Atualizado: há 7 horas
Maio está a chegar, e com ele o auge dos concursos de vinhos a nível mundial. Difícil será passar uma semana sem surgir uma nova notícia a proclamar mais um 'melhor vinho do mundo'.
Os concursos de vinhos são eventos fascinantes e lucrativos (já lá vamos) e na minha opinião desempenham um papel essencial no sector. Quem nunca após ler a notícia não se sente tentado a comprar e provar o vinho medalhado? Quem sabe vira o preferido para este Verão.

Mas o que se passa, realmente, por detrás das portas dos concursos de vinhos?
A curiosidade é muita: "Sabem o que estão a provar? Está tudo combinado?". Posso garantir que não. Além de já ter dado apoio em alguns concursos nacionais, também participo pontualmente como jurada e, no ano passado, rumei à Hungria para o Wine Lovers Awards.
Em todos os concursos, as provas são cegas. As garrafas chegam tapadas e numeradas, e os jurados não sabem que vinhos estão a avaliar. No máximo, conhece-se a casta, o tipo de vinho ou o ano de colheita. Esta neutralidade é essencial para garantir a imparcialidade e suficiente para conduzir a prova.
Os provadores, habitualmente profissionais do sector (Enólogos, Escanções, Jornalistas da especialidade AKA críticos, etc.) têm de pontuar numa escala, muitas das vezes de 0 a 100. Avaliamos cada vinho segundo critérios técnicos e sensoriais: cor, brilho, limpidez, intensidade aromática, qualidade do aroma, estrutura, sabor, persistência, harmonia... tudo conta.
O ambiente na sala tem de ser controlado: luz, temperatura, ausência de aromas externos (sim, até o perfume de quem serve conta!). Já vi situações em que o simples facto de a sala ter um cheiro a produtos de limpeza comprometeu as primeiras provas. Também a temperatura dos vinhos é essencial: um branco servido quente pode parecer pesado e desequilibrado, e um tinto muito frio esconde os seus aromas. É toda uma série de detalhes que o organizador do concurso deve estar a tento, pois como leste podem impactar pela negativa a percepção dos vinhos durante a prova
Além das condições do ambiente, fatores como a ordem de degustação pode igualmente influenciar a avaliação. Aqui não há uma só resposta correcta, à partida há um denominador comum em cada sequência de prova. Pode ser a região, a casta, o ano de colheita ou mesmo o tipo de vinho se de uma categoria menos representativa no concurso, como acontece por vezes com os vinhos Licorosos.
Já sentados à mesa, cada uma presidida por um Chefe/Presidente, a diversidade de paladares entre os jurados é uma faca de dois gumes. Pode proporcionar uma avaliação equilibrada, mas também resultar em discrepâncias nas pontuações.
O Chefe em cada mesa tem como funções coordenar e dar dinâmica à prova. Deverá ser a força apaziguadora que trará o equilíbrio nas pontuações. Cada opinião é válida, mas as pontuações mais altas e mais baixas são muitas vezes eliminadas, para evitar desvios extremos. Esta técnica permite suavizar os resultados e tornar a avaliação mais justa. Se o jurado se sentir confortável pode alterar a pontuação dada. Cabe ao Chefe fazer chegar a um consenso na atribuição de medalhas e de lançar a discussão na mesa quando necessário
Acredito que é bom cada mesa de provadores ser composta de forma ideal por vários tipos de profissionais pois ajuda de forma positiva a trazer várias perspectivas, com os vinhos sendo avaliados de diferentes ângulos. Sobretudo quando há jurados estrangeiros.
Recordo com carinho o Wine Lovers Awards, na Hungria. No primeiro dia, provei apenas vinhos tintos de países da Europa Central. Fiquei surpreendida com a extração, o volume, a personalidade. Tive de abandonar as minhas preferências, esquecer o que costumo provar, e colocar-me no contexto do concurso: o vinho está bem feito? É representativo da sua origem? Merece uma medalha?
As provas seguem sequências ou "fight", em cada provam-se vinhos de um mesmo tipo, casta, colheita ou região. Numa manhã, é possível provarmos 40 ou mais vinhos. E sim, é exigente. A fadiga sensorial é real, e exige concentração constante. Daí a importância dos intervalos, da água, das bolachas de água e sal, da boa organização.
Os vinhos mais bem pontuados são habitualmente reavaliados: de Ouro podem passar a Grande Ouro. Nem todos ganham medalha, pois há quotas baseadas no número de vinhos em competição. Ou seja, não basta atingir determinada pontuação, é preciso também estar entre os melhores.
Cada concurso tem as suas regras. No Concurso de Vinhos do Tejo, por exemplo, no final do último dia do concurso faz-se uma segunda prova dos vinhos mais pontuados. Teoricamente são vinhos que já ganharam medalha de ouro, porém podem ser Grande Ouro.
Neste concurso promovido pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVRT) os vinhos que obtenham uma pontuação entre 100 e 94 pontos ganham uma medalha Grande Ouro, entre 93 e 88 medalha de Ouro e se "apenas" 87 a 83 a de Prata.
Em outros concursos, a finalíssima acontece dias depois, com um grupo mais restrito de especialistas, como o Concurso Vinhos de Portugal, da ViniPortugal.
Nesta finalíssima, com a presença de Master of Wine estrangeiros entre os provadores, são reavaliados os vinhos mais pontuados e escolhidos os que vão obter a medalha Grande Ouro e com alguma sorte (afinal é um concurso!) receber o galardão “O Melhor do Ano” em várias categorias – Licoroso, Varietal Tinto, Varietal Branco, Tinto, Branco, Espumante. Mais o grande totalista – O Melhor Vinho do Ano”
Os concursos são de livre acesso aos vinhos que cumpram com o regulamento e que os produtores decidam enviar pagando um valor pela inscrição de cada referência, com o preenchimento de uma ficha e o envio de, habitualmente, uma caixa de seis garrafas. Aqui reside o lado bastante lucrativo para a entidade organizadora. Com a organização de eventos vínicos são duas áreas que permitem a subsistência dos meios de comunicação. E ainda bem que assim é, pois, a logística e preparação de um concurso, tal como agora percebeste, quando bem organizados, requerem muita planeamento e profissionais bem qualificados.
Porque haveria um produtor de submeter o seu vinho a um concurso?
Numa palavra - estratégia. As medalhas e distinções são poderosas ferramentas de Marketing. Um vinho medalhado chama atenção nas prateleiras, atrai distribuidores e, mais importante, ajuda a dar confiança aos consumidores, fornecendo uma referência de qualidade e orientação na escolha. Quantas vezes compraste um vinho porque viste uma medalha no rótulo?
Para pequenos produtores, uma medalha pode ser o passaporte para o reconhecimento nacional ou até internacional. Já vi vinhos quase desconhecidos tornarem-se virais após conquistarem Ouro num concurso prestigiado.
E para nós, os jurados?
Para além da honra de participar, é sempre um momento de crescimento profissional. Podemos aprender provando vinhos de novas regiões, estilos e trocar ideias com colegas. Lamento apenas que raramente sejamos informados sobre os vinhos que provámos. É compreensível, por razões de imparcialidade, mas seria enriquecedor.
Como Escanção & Educadora de Vinho, compreendo o peso e o valor dos concursos. Mas também reconheço a necessidade de critérios claros, consistentes e transparentes para garantir que continuem a ser uma referência confiável para os consumidores.
Lembra-te sempre que os resultados representam o parecer de um grupo de profissionais que, num determinado dia, avaliou um conjunto de vinhos. Há objetividade, sim, mas também subjetividade.
Nem todos temos as mesmas preferências ou sensibilidades. E é precisamente por isso que considero a diversidade uma força. Se um vinho conquista uma mesa heterogénea, é porque tem algo de especial.
Como vês, o percurso de um vinho até poder ostentar a medalha na garrafa* não é simples e requer qualidade, consistência e também um pouco de sorte.
*Nem todos os produtores colocam na garrafa os autocolantes relativos à medalha. Também aqui há regras a cumprir e pagar o custo da impressão. Além que só valerá apenas se o produtor tiver as garrafas na adega. Por isso podes andar a beber vinhos premiados sem saber...
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