Provavelmente escolher um vinho já é uma tarefa fácil para ti, porém quando te decides por um vinho Alentejano é um desafio, tanta é a oferta hoje em dia. Ou será que não? Serão os vinhos do Alentejo todos iguais?
Recentemente passei por Mértola e fiquei encantada com as suas gentes, gastronomia e vinhos. Se não conheces, tens de visitar! Enquanto isso deixa-me apresentar-te os seis produtores do concelho de Mértola.
Visit Mertola
Para compreender o Alentejo de hoje é importante lembrar que a região do Alentejo nem sempre foi terra de vinho, na verdade, durante grande parte do século XX produziu sobretudo cereais. Foi mais um capítulo, entre outros, na longa história desta região, em que o vinho foi menos importante como sector gerador de riqueza.
Dois anos após a revolução do 25 de Abril de 1975, criou-se o PROVA - Projecto de Viticultura do Alentejo e em 1983 a ATEVA a Associação Técnica dos Vitivultores do Alentejo com o objectivo de promover a cultura da vinha.
Fruto desse trabalho, em 1988, regulamenta-se a Denominação de Origem Controlada (DOC) Alentejo e as suas sub-regiões e em 1989 é criada a Comissão Vitivínicola Regional Alentejana (CVRA) que garante até hoje a certificação e regulamentação dos vinhos Alentejanos, bem como a sua promoção em mercados internos e externos.
Alentejo DOC sub-regiões:
Borba;
Évora;
Granja-Amareleja;
Moura;
Portalegre;
Redondo;
Reguengos;
Vidigueira.
O reflexo destes acontecimentos atraiu Portugueses e estrangeiros para a compra de herdades, montes e a produção de vinho. Os vinhos Alentejanos são na maioria o resultado de uma forma muito empresarial de ver a indústria do vinho e isso na minha opinião trás a recuperação de tradições bem como diversidade e inovação.
Três distritos, Portalegre, Évora e Beja que, juntos, perfazem as fronteiras naturais para a área geográfica do vinho Regional Alentejano. Região de ondulantes planícies, o Alentejo apresenta uma paisagem relativamente suave e plana que se estende por quase um terço de Portugal continental.
Os vinhos de Mértola
Vale a pena conhecer Mértola, um concelho com apenas seis produtores de vinho, contudo todos com as suas características únicas e como tal nada mais são, do que o reflexo de um grande Alentejo.
Herdade de Balanches
Herdade da Bombeira
Herdade das Romeiras
Herdade dos Lagos
Herdade Vale d’Évora
Monte de Santo António
Também em Mértola o cultivo da vinha foi retomado recentemente. As vinhas mais velhas têm agora cerca de vinte anos e a iniciativa partiu de um grupo de amigos que criaram a Herdade da Bombeira.
Hoje produzem vários vinhos brancos e tintos incluído uma variedade atractiva de vinhos mono-castas – Arinto, Chardonnay, Trincadeira e Syrah. A enologia está a cargo de Bernardo Cabral.
A caça e a produção andam de mãos dadas em alguns destes novos projectos como na Herdade Vale d’Évora de onde surgem os vinhos brancos e tintas Discórdia. O enólogo é o Filipe Sevinate Pinto, porém os vinhos têm inspiração Duriense, ou não fosse Vitor Pereira, um dos sócios, do Norte. Assim nos tintos predominam as castas Touriga Franca e Touriga Nacional.
Solos » de fraca fertilidade e baixo teor em matéria orgânica
Clima » seco e quente - os verões em Mértola chegam frequentemente aos 40ºC e os invernos são amenos e de pouca chuva.
Também há possibilidade de caçar na Herdade das Romeiras, esta tem a vinha Moita do Lobo, que dá nome ao único vinho tinto que aqui nasce. Não tive oportunidade de conhecer o projecto ou provar o vinho. O proprietário é Lisboeta e Advogado em Macau apaixonou-se por Mértola e exporta grande parte do vinho.
É na Herdade de Balaches que existe a única adega de Mértola desde 2020. Projecto audacioso do Mertolense José Carlos Palma, daqui saem vinhos brancos e tintos com enologia de Bernardo Cabral em garrafa e em bag-in-box para satisfação da restauração local.
O passado
Um pouco como por todo Portugal, também por Mértola passaram os Romanos, à qual chamaram de Myrtilis. Por lá deixaram o legado das ânforas para a produção e transporte do vinho. Aliás, foi em Mértola que foram encontradas 103 ânforas, datadas do século I e II AC. Muitas delas seriam ânforas para vinho. Hoje estão preservadas no Museu de Arqueologia em Lisboa.
A presença e importância da vinha mesmo durante a presença islâmica está provada pelas moedas da época e elementos decorativos em peças de cerâmica que estão patentes no Museu Islâmico situado entre as muralhas de Mértola.
Com a Reconquista Cristã há um aumento da área de vinha e produção de vinho, como exemplifica o nome da padroeira de Mértola - Senhora D´Entre as Vinhas, possível de visitar na igreja matriz de Mértola.
Vinhos Biológicos
Parte das vinhas do concelho, integram o Parque Natural do Vale do Guadiana.
O Alentejo é caracterizado por uma paisagem de planície ondulada, porém é longe de ser uniforme.
Em Mértola vais encontrar mato denso, áreas com flores de esteva e plantas aromáticas como o rosmaninho ou o alecrim, montado disperso e culturas extensivas de sequeiro.
O rio Guadiana altera a paisagem, abrindo escarpas e fendas no solo. Assim o parque natural torna-se um refúgio para águias, cegonhas ou o lince.
O clima quente e seco durante o amadurecimento das uvas e época da vindima minimiza a carga de doenças na vinha. Não é por acaso que o Alentejo tem a segunda maior área de vinha em agricultura biológica com 991 hectares.
E assim, também de Mértola vais poder beber vinhos Biológicos, são eles os da Herdade dos Lagos e os provenientes do Monte de Santo António – Conde Mértola.
Herdade dos Lagos foi o primeiro vinho Mertolense que provei algures em 2009 e já na altura era certificado como Biológico. Duas surpresas num só copo!
Proprietário alemão, ex-capitão da marinha mercante criou há três décadas uma ilha ecológica de onde consta uma vinha que dá origem a vinhos brancos, tintos, rosé e espumante. Também alguns mono-casta. A enologia está a cargo de Marta Pereira.
Conde Mértola – Frederick Von S. são dois vinhos tintos provenientes de um projecto agrícola reconstruído em 2002. Aqui a agricultura segue os princípios da geobiologia, radiestesia, saúde ambiental e agricultura biológica e biodinâmica. Francisco Assis Costa é médico em Lisboa e o monte está na sua família há cinco décadas.
Vinhos DOC versus Regional
Estando Mértola fora das áreas contempladas para DOC Alentejo é importante desmistificar o classificativo - Regional, que alguns consumidores de vinho podem achar serem vinhos de menor qualidade.
Pela minha experiência, de facto o apreciador de vinhos não faz distinção entre ler Alentejo ou Alentejano no rótulo de uma garrafa de vinho. Já em relação a outras regiões já não poderei dizer o mesmo…
Para a CVRA o principal objectivo da DOC Alentejo é preservar a identidade das suas 8 sub-regiões, enquanto que os vinhos Regional têm a possibilidade de alguma ousadia por parte dos produtores.
Senão vejamos, em 2014, ao conjunto das castas tintas obrigatórias juntaram-se outras bem tradicionais do Alentejo como a Moreto, Tinta Caiada, Tinta Grossa e a Grand Noir. Para além destas, existe uma lista de 47 castas, nacionais e estrangeiras, que podem ser utilizadas na elaboração de vinhos com Denominação de Origem.
Como em todas as outras regiões, um produtor que faça vinho Regional tem maior flexibilidade de escolha de castas, bem como pode ter um maior rendimento de uvas por hectare, entre outras regras mais “suaves”. Por isso muitos produtores mesmo estando nas sub-regiões optam por fazer vinho com o designativo Regional.
Na Câmara de Provadores da CVRA não é exigida grande diferença entre termos de qualidade entre vinhos DOC ou Regional.
Muito por causa disto hoje o Alentejo é a região líder no mercado nacional, tanto ao nível da quota de mercado em volume, como em valor, na categoria de vinhos engarrafados.
Aqui podes ver o Workshop de Vinhos que dei no âmbito da Feira do Mel, Queijo e Pão 2022 com a participação de alguns dos produtores.
E agora que já conheces com mais pormenor o concelho e os vinhos de Mértola, a próxima vez que fores comprar ou beber um vinho Alentejano, procura por estes.
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